O
Sacerdote no Século XXI
Intervenção do
cardeal prefeito da Congregação para o Clero apresentou em Los Angeles (Estados
Unidos) no dia 3 de Outubro, durante um encontro com os presbíteros dessa
arquidiocese
Dorothy Thompson,
escritora americana, publicou há décadas, num artigo para uma revista, os
resultados de uma sondagem específica sobre o famigerado campo de
concentração de Dachau. Uma pergunta-chave dirigida aos sobreviventes era a
seguinte: “Quem no meio do inferno de Dachau, permaneceu durante mais tempo em
condições de equilíbrio? Quem manteve por mais tempo o próprio sentido de
identidade?”. A resposta foi coral e sempre a mesma: “Os sacerdotes
católicos!”. Sim, os presbíteros católicos! Eles conseguiram-se manter-se no
próprio equilíbrio, no meio de tanta loucura, porque estavam conscientes de sua
vocação. Eles tinham a sua escala hierárquica de valores. A sua dedicação ao
ideal era total. Eles estavam conscientes da sua missão específica e das motivações
profundas que a sustentavam. No meio do inferno terreno, eles ofereciam o seu
testemunho: o de Jesus Cristo!
Nós vivemos de
modo instável. Existe uma instabilidade na família, no mundo, no trabalho, nas
várias agregações sociais e profissionais, nas escolas e nas instituições. No
entanto, o sacerdote deve ser constitucionalmente um modelo de estabilidade e
de maturidade, de dedicação completa ao seu apostolado. No caminho inquieto da
sociedade, apresenta-se com freqüência uma interrogação à mente do cristão:
“Quem é o sacerdote no mundo contemporâneo? É um marciano? É um extraterrestre?
É um fóssil? Quem é ele?” A secularização, o gnosticismo, o ateísmo nas suas
várias formas, continuam a reduzir cada vez mais o espaço reservado ao sagrado,
estão a esvaziar os conteúdos da mensagem cristã. Os homens das técnicas e do
bem-estar, as pessoas caracterizadas pela febre da aparência, sentem uma
extrema pobreza espiritual, uma vez que são vítimas de uma grave angústia
existencial, e revelam-se incapazes de resolver as problemáticas fundamentais
da vida espiritual, familiar e social.
Se desejássemos
interrogar a cultura mais difundida, compreenderíamos que ela é dominada e
impregnada pela dúvida sistemática e suspeita em relação a tudo aquilo que diz
respeito à fé, à razão. “Deus é uma hipótese inútil – escrevia Camus – e estou
totalmente persuadido que não me interessa”.
Na melhor das
hipóteses, desce um silêncio pesado sobre Deus; mas chega-se com muita
freqüência à afirmação do conflito insolúvel entre as duas existências
destinadas a eliminar-se: ou Deus, ou o homem. Depois, se tivéssemos que lançar
um olhar sobre o panorama global dos comportamentos morais, não poderíamos
evitar a constatação da confusão, da desordem e da anarquia que reina nesta
nossa época. O home faz-se o criador do bem e do mal. Concentra egoisticamente
a atenção sobre si mesmo. Substitui a norma moral com o seu próprio desejo e
procura os seus interesses pessoais.
Neste contexto, a
vida e o ministério do presbítero tornam-se de importância decisiva e de
urgente atualidade. Aliás – permita que o diga – quanto mais é marginalizado,
tanto mais é importante, quando mais é considerado obsoleto, tanto mais é
atual. O sacerdote deve proclamar ao mundo a mensagem eterna de Cristo, na sua
pureza e radicalidade; não pode diminuir a mensagem mas, pelo contrário, deve
elevar as pessoas; tem o dever de transmitir à sociedade anestesiada pelas
mensagens de determinados autores ocultos, falsificadores dos poderes que
valem, a força libertadora de Cristo. Todos sentem a necessidade de reformas no
campo social, econômico e político; todos fazem votos a fim de que, nas lutas
sindicais e na proclamação econômica sejam confirmadas e observadas a
centralidade do homem e a promoção de finalidades de justiça, de solidariedade
e de convergência para o bem comum. Tudo isto permanecerá somente um desejo, se
não se transformar o coração do homem, de numerosas pessoas, que por sua vez
devem renovar as estruturas..
Como podeis ver, o
verdadeiro campo de batalha da Igreja é a paisagem secreta do espírito do
homem, e nele não se entra desprovido de muito tato, de uma forte contrição, ou
então sem a graça de estado prometida pelo sacramento da ordem. É justo que o
sacerdote se insira na existência, na vida comum dos homens, mas não deve ceder
aos conformismos nem aos compromissos da sociedade. A sã doutrina, mas também a
documentação histórica demonstram-nos que a Igreja é capaz de resistir aos
ataques, a todos os assaltos que podem ser desferidos contra ela pelas
potências políticas, econômicas e culturais, mas não resiste ao perigo
derivante do esquecimento destas palavras de Jesus: “Vos sois o sal da terra,
vós sois a luz do mundo”. O próprio Jesus indica a conseqüência deste
esquecimento: “Se o sal se tornar insípido, como se preservará o mundo contra a
corrupção?” (Cf. Mt 5, 13-14).
Para que serviria
um presbítero tão assimilado com o mundo, a ponto de se tornar um sacerdote
mimetizado, e já não fermento transformador? Diante de um mundo anêmico de
oração e de adoração o sacerdote é, em primeiro lugar, o homem da oração, da
adoração, do culto e da celebração dos santos Mistérios. Perante um mundo
inundado de mensagens consumistas, pansexualistas, assaltado pelo erro,
apresentado nos aspectos mais sedutores, o presbítero deve falar acerca de Deus
e das realidades eternas; mas para o poder fazer de maneira credível, deve ser
um crente apaixonado, e do mesmo modo deve estar “limpo”!
O presbítero deve
aceitar a impressão de estar no meio do povo, como alguém que começa a partir de
uma lógica e fala uma língua diferente dos outros: “Não vos conformeis com a
mentalidade deste mundo” (Rm 12, 2). Ele não é
como “os outros”. Aquilo que as pessoas esperam dele é precisamente que não
seja “como todos os demais”. Diante de um mundo mergulhado na violência e
corrompido pelo egoísmo, o presbítero tem o dever de ser o homem da caridade.
Dos cumes puríssimos do amor de Deus, do qual faz uma experiência extremamente
particular, desce ao vale, onde muitos levam a sua vida de solidão, de incomunicabilidade
e de violência, para lhes anunciar a misericórdia, a reconciliação e a
esperança. O sacerdote responde às exigências da sociedade, fazendo-se voz de
quantos não a têm: os pequeninos, os pobres, os idosos, os oprimidos e os
marginalizados. Ele não se pertence a si mesmo, mas ao próximo. Não vive para
si próprio, nem procura aquilo que é seu. Ele busca o que é de Cristo, o que é
dos seus irmãos. Compartilha as alegrias e os sofrimentos de todos, sem
qualquer distinção de idade, de classe social, de pertença política ou de
prática religiosa. Ele é o guia da porção do povo que lhe foi confiado. Sem
dúvida, não o comandante de um exército anônimo, mas o pastor de uma comunidade
formada por pessoas que têm, cada uma, o próprio nome, a sua história, o seu
destino e o seu segredo.
O sacerdote tem a
tarefa difícil, mas exaltante, de orientar estas pessoas com a atenção mais
religiosa e com o respeito mais escrupuloso pela sua dignidade humana, pelo seu
trabalho e pelo seus direitos, com a plena consciência de que, à sua condição
de filhos de Deus, corresponde nelas uma vocação eterna, que se realiza na
plena comunhão com Deus. O presbítero não hesitará em oferecer a própria vida,
ou num breve mas intenso período de dedicação generosa e sem limites, ou numa entrega
cotidiana, prolongada, no sacrifício de gestos de serviço humilde ao seu povo,
sempre orientado para a defesa e a formação da grandeza humana e do crescimento
cristão de cada fiel individualmente e de todo o seu povo.
O sacerdote deve
ser pequeno e contemporaneamente grande, nobre de espírito como um rei, simples
e natural como um camponês. Um herói na conquista de si mesmo, o soberano de
seus desejos, um servidor para os pequeninos e os mais frágeis; que não se
inclina diante dos poderosos, mas se debruça perante os pobres e deserdados,
discípulo do seu Senhor e chefe da própria grei. Nenhum dom mais precioso pode
ser oferecido à comunidade de um sacerdote, segundo o Coração de Cristo. A
esperança do mundo consiste em poder contar, também em relação ao futuro, sobre
o amor de corações sacerdotais límpidos, fortes e misericordiosos, livres e
mansos, generosos e fiéis.
Queridos amigos,
se os ideais forem demasiados elevados, o caminho difícil, o terreno talvez
também minado e as incompreensões numerosas, todavia tudo podemos n’Aquele que
nos conforta (cf. Fl 4, 13). O eclipse da luz de Deus
e do seu amor não representam a extinção da sua luz e do seu amor. Já amanhã
aquilo que se tinha insinuado, ofuscando a fé e encurralando o mundo numa
obscuridade assustadora, poderia dissipar-se, e depois de uma prolongada pausa,
do intervalo demasiado longo do eclipse, o sol poderia voltar a brilhar, plena
e esplendorosamente. Para além das inquietações e contestações que agitam o
mundo, fazendo-se sentir inclusive no seio da Igreja, entram em ação as forças
de santidade secretas, escondidas e fecundas. Mais além de rios de palavras e
de discursos, de programas e de planos, de iniciativas e de organizações,
existem almas santas que rezam, sofrem e expiam, adorando o Deus-conosco. No
meio delas encontram-se crianças e adultos, homens e mulheres, jovens e idosos,
pessoas doutas e ignorantes, doentes e sadios, encontram-se inclusive numerosos
presbíteros, que não são só dispensadores dos mistérios de Cristo, mas na babel
contemporânea, permanecem como sinais de referência e de esperança seguros para
aqueles que se põem em busca da plenitude, do sentido, da meta e da felicidade.
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