quarta-feira, 4 de abril de 2012

DO ESPETÁCULO À SINGELEZA: UM OLHAR SOBRE A SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO


O tempo da quaresma tem como finalidade nos preparar para vivermos bem o mistério pascal de Cristo, sua paixão, morte e ressurreição. Mistério que celebramos de modo evidente no tríduo pascal, ápice do ano litúrgico, quando Jesus vence a morte, “ressuscitando ao terceiro dia”[1], salvando toda a humanidade de seus pecados.
Quero me deter agora à Sexta-feira da Paixão. A liturgia nos ensina que esse dia deve ser de jejum, oração, recolhimento e silêncio, é o único dia do ano em que não se celebra a Eucaristia, em sinal de luto pela morte e sepultamento de Jesus. A Ação Litúrgica da Paixão, com todos os seus gestos e símbolos: altar despojado, sem toalhas, sem cruz, sem velas, sem adornos, recorda-nos a morte de Jesus. Os ministros se prostram no chão, frente ao altar, no começo da celebração. Gesto que demonstra a imagem da humanidade rebaixada e oprimida e, ao mesmo tempo, penitente, que implora perdão por seus pecados. As vestes são vermelhas, a cor dos mártires: de Jesus, o primeiro testemunho do amor do Pai e de todos aqueles que, como Ele, deram e continuam dando sua vida para proclamar a libertação que Deus nos oferece. A adoração da Cruz nos lembra a obra da cruz, o Cristo que reuniu na unidade os filhos e filhas de Deus dispersos pelo mundo inteiro e constituiu o novo povo eleito[2].
Por longa data, esse dia foi sendo vivenciado e enriquecido pelos gestos e ações da piedade popular, de forma especial aqui no Brasil: a via sacra rezada pelo povo simples e humilde, o canto do perdão diante do Senhor morto, a meditação das sete dores de Nossa Senhora, a procissão do encontro e do Senhor morto[3]. Essas práticas devocionais acabaram se tornando um grande patrimônio da fé do povo e, unidas à liturgia oficial do dia, propiciam às pessoas o encontro com Deus, consigo mesmas e com os outros.
Atualmente, venho percebendo que a vivência litúrgica da Sexta-feira da Paixão está perdendo seu sentido basilar, sendo substituída pelos grandes espetáculos que têm como enredo a vida, morte e ressurreição de Jesus. O dicionário define espetáculo como uma “representação pública que impressiona e é destinada a entreter”, e também como aquilo que “atrai a vista ou prende a atenção”[4].  Com isso, a sexta-feira da paixão torna-se mais um entretenimento, cuja apresentação principal é a vida de Jesus nos grandes palcos, com atores famosos, luzes e cores; perdendo seu milenar caráter de dia de silêncio e oração, quando somos convidados a olhar para o mistério da Cruz de Cristo da qual pendeu a nossa salvação e a olhar também para dentro de nós mesmos e perceber o que ainda precisa ser modificado, transformado, convertido. É preciso resgatar o verdadeiro sentido litúrgico a ser vivido pelo nosso povo nesse dia tão especial. Ressalto que devemos viver bem esse dia, mas não nos “estacionarmos” nele, porque o melhor está por vir: a ressurreição de Cristo, celebrada na Vigília Pascal.
Quando olhamos para o mistério da encarnação de Jesus, percebemos que esse grande evento para a história da humanidade não aconteceu em forma de espetáculo, mas na singeleza, no seio de uma família simples de Nazaré; o Emmanuel nasce em uma manjedoura[5], em meios aos animais, como celebramos no tempo do Natal. O Senhor sempre se revela nas coisas simples e cotidianas. O extraordinário acontece de forma bela no ordinário. Por isso precisamos trilhar um caminho de conversão na Sexta-feira Santa, dia tão importante para nossa fé: passar do espetáculo à singeleza, do entretenimento, que muitas vezes nos tira da realidade, para um olhar profundo dentro de nós mesmos, que nos possibilite uma verdadeira conversão, para que, desse modo, possamos viver melhor.
O segredo de vida dos grandes santos como Terezinha de Jesus, Francisco de Assis, Teresa de Calcutá... é fantástico! Eles encontravam no ordinário, o extraordinário; o grande espetáculo era viver bem as pequenas coisas que lhes eram confiadas no dia a dia. Aí reside o grande segredo da santidade: a vivência singela do amor. E não há dia mais propício para vivermos isso do que a Sexta-feira Santa.
Diante do sofrimento, da cruz, da morte do Senhor, encontro o verdadeiro sentido para o meu sofrimento, a minha cruz, a minha morte, pois isso só tem sentido em minha vida se é configurado na vida de Cristo[6]. Isso edifica a pessoa humana em todas as suas dimensões, possibilita-lhe encontrar o verdadeiro sentido para a sua existência. O caminho é esse, do silêncio, da oração, de olhar para dentro de si e não de se entreter, fugindo, muitas vezes, daquelas realidades interiores que carecem ser revistas e convertidas. Toda essa transformação não acontece de forma “espetacular”, mas de forma simples, singela como o silêncio de Jesus na Cruz.
 Por: Maximiliano Costa / Seminarista da Arquidiocese de Goiânia


[1] - cf. 1 Cor 15,4.
[2] - Missal Romano, n. 15 a 17.
[3] - Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório sobre a Piedade Popular e Litúrgica – Princípios e orientações.
[4] - Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa.
[5] - cf. Lc 2,4-16.
[6] - cf. João Paulo II, Carta Apostólica Salvifici Doloris, 1984.

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