terça-feira, 4 de junho de 2013

O Sacerdote no Século XXI

Intervenção do cardeal prefeito da Congregação para o Clero apresentou em Los Angeles (Estados Unidos) no dia 3 de Outubro, durante um encontro com os presbíteros dessa arquidiocese
Dorothy Thompson, escritora americana, publicou há décadas, num artigo para uma revista, os resultados de uma sondagem específica sobre o famigerado campo  de concentração de Dachau. Uma pergunta-chave dirigida aos sobreviventes era a seguinte: “Quem no meio do inferno de Dachau, permaneceu durante mais tempo em condições de equilíbrio? Quem manteve por mais tempo o próprio sentido de identidade?”. A resposta foi coral e sempre a mesma: “Os sacerdotes católicos!”. Sim, os presbíteros católicos! Eles conseguiram-se manter-se no próprio equilíbrio, no meio de tanta loucura, porque estavam conscientes de sua vocação. Eles tinham a sua escala hierárquica de valores. A sua dedicação ao ideal era total. Eles estavam conscientes da sua missão específica e das motivações profundas que a sustentavam. No meio do inferno terreno, eles ofereciam o seu testemunho: o de Jesus Cristo!
Nós vivemos de modo instável. Existe uma instabilidade na família, no mundo, no trabalho, nas várias agregações sociais e profissionais, nas escolas e nas instituições. No entanto, o sacerdote deve ser constitucionalmente um modelo de estabilidade e de maturidade, de dedicação completa ao seu apostolado. No caminho inquieto da sociedade, apresenta-se com freqüência uma interrogação à mente do cristão: “Quem é o sacerdote no mundo contemporâneo? É um marciano? É um extraterrestre? É um fóssil? Quem é ele?” A secularização, o gnosticismo, o ateísmo nas suas várias formas, continuam a reduzir cada vez mais o espaço reservado ao sagrado, estão a esvaziar os conteúdos da mensagem cristã. Os homens das técnicas e do bem-estar, as pessoas caracterizadas pela febre da aparência, sentem uma extrema pobreza espiritual, uma vez que são vítimas de uma grave angústia existencial, e revelam-se incapazes de resolver as problemáticas fundamentais da vida espiritual, familiar e social.
Se desejássemos interrogar a cultura mais difundida, compreenderíamos que ela é dominada e impregnada pela dúvida sistemática e suspeita em relação a tudo aquilo que diz respeito à fé, à razão. “Deus é uma hipótese inútil – escrevia Camus – e estou totalmente persuadido que não me interessa”.
Na melhor das hipóteses, desce um silêncio pesado sobre Deus; mas chega-se com muita freqüência à afirmação do conflito insolúvel entre as duas existências destinadas a eliminar-se: ou Deus, ou o homem. Depois, se tivéssemos que lançar um olhar sobre o panorama global dos comportamentos morais, não poderíamos evitar a constatação da confusão, da desordem e da anarquia que reina nesta nossa época. O home faz-se o criador do bem e do mal. Concentra egoisticamente a atenção sobre si mesmo. Substitui a norma moral com o seu próprio desejo e procura os seus interesses pessoais.
Neste contexto, a vida e o ministério do presbítero tornam-se de importância decisiva e de urgente atualidade. Aliás – permita que o diga – quanto mais é marginalizado, tanto mais é importante, quando mais é considerado obsoleto, tanto mais é atual. O sacerdote deve proclamar ao mundo a mensagem eterna de Cristo, na sua pureza e radicalidade; não pode diminuir a mensagem mas, pelo contrário, deve elevar as pessoas; tem o dever de transmitir à sociedade anestesiada pelas mensagens de determinados autores ocultos, falsificadores dos poderes que valem, a força libertadora de Cristo. Todos sentem a necessidade de reformas no campo social, econômico e político; todos fazem votos a fim de que, nas lutas sindicais e na proclamação econômica sejam confirmadas e observadas a centralidade do homem e a promoção de finalidades de justiça, de solidariedade e de convergência para o bem comum. Tudo isto permanecerá somente um desejo, se não se transformar o coração do homem, de numerosas pessoas, que por sua vez devem renovar as estruturas..
Como podeis ver, o verdadeiro campo de batalha da Igreja é a paisagem secreta do espírito do homem, e nele não se entra desprovido de muito tato, de uma forte contrição, ou então sem a graça de estado prometida pelo sacramento da ordem. É justo que o sacerdote se insira na existência, na vida comum dos homens, mas não deve ceder aos conformismos nem aos compromissos da sociedade. A sã doutrina, mas também a documentação histórica demonstram-nos que a Igreja é capaz de resistir aos ataques, a todos os assaltos que podem ser desferidos contra ela pelas potências políticas, econômicas e culturais, mas não resiste ao perigo derivante do esquecimento destas palavras de Jesus: “Vos sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo”. O próprio Jesus indica a conseqüência deste esquecimento: “Se o sal se tornar insípido, como se preservará o mundo contra a corrupção?” (Cf. Mt 5, 13-14).
Para que serviria um presbítero tão assimilado com o mundo, a ponto de se tornar um sacerdote mimetizado, e já não fermento transformador? Diante de um mundo anêmico de oração e de adoração o sacerdote é, em primeiro lugar, o homem da oração, da adoração, do culto e da celebração dos santos Mistérios. Perante um mundo inundado de mensagens consumistas, pansexualistas, assaltado pelo erro, apresentado nos aspectos mais sedutores, o presbítero deve falar acerca de Deus e das realidades eternas; mas para o poder fazer de maneira credível, deve ser um crente apaixonado, e do mesmo modo deve estar “limpo”!
O presbítero deve aceitar a impressão de estar no meio do povo, como alguém que começa a partir de uma lógica e fala uma língua diferente dos outros: “Não vos conformeis com a mentalidade deste mundo” (Rm 12, 2). Ele não é como “os outros”. Aquilo que as pessoas esperam dele é precisamente que não seja “como todos os demais”. Diante de um mundo mergulhado na violência e corrompido pelo egoísmo, o presbítero tem o dever de ser o homem da caridade. Dos cumes puríssimos do amor de Deus, do qual faz uma experiência extremamente particular, desce ao vale, onde muitos levam a sua vida de solidão, de incomunicabilidade e de violência, para lhes anunciar a misericórdia, a reconciliação e a esperança. O sacerdote responde às exigências da sociedade, fazendo-se voz de quantos não a têm: os pequeninos, os pobres, os idosos, os oprimidos e os marginalizados. Ele não se pertence a si mesmo, mas ao próximo. Não vive para si próprio, nem procura aquilo que é seu. Ele busca o que é de Cristo, o que é dos seus irmãos. Compartilha as alegrias e os sofrimentos de todos, sem qualquer distinção de idade, de classe social, de pertença política ou de prática religiosa. Ele é o guia da porção do povo que lhe foi confiado. Sem dúvida, não o comandante de um exército anônimo, mas o pastor de uma comunidade formada por pessoas que têm, cada uma, o próprio nome, a sua história, o seu destino e o seu segredo.
O sacerdote tem a tarefa difícil, mas exaltante, de orientar estas pessoas com a atenção mais religiosa e com o respeito mais escrupuloso pela sua dignidade humana, pelo seu trabalho e pelo seus direitos, com a plena consciência de que, à sua condição de filhos de Deus, corresponde nelas uma vocação eterna, que se realiza na plena comunhão com Deus. O presbítero não hesitará em oferecer a própria vida, ou num breve mas intenso período de dedicação generosa e sem limites, ou numa entrega cotidiana, prolongada, no sacrifício de gestos de serviço humilde ao seu povo, sempre orientado para a defesa e a formação da grandeza humana e do crescimento cristão de cada fiel individualmente e de todo o seu povo.
O sacerdote deve ser pequeno e contemporaneamente grande, nobre de espírito como um rei, simples e natural como um camponês. Um herói na conquista de si mesmo, o soberano de seus desejos, um servidor para os pequeninos e os mais frágeis; que não se inclina diante dos poderosos, mas se debruça perante os pobres e deserdados, discípulo do seu Senhor e chefe da própria grei. Nenhum dom mais precioso pode ser oferecido à comunidade de um sacerdote, segundo o Coração de Cristo. A esperança do mundo consiste em poder contar, também em relação ao futuro, sobre o amor de corações sacerdotais límpidos, fortes e misericordiosos, livres e mansos, generosos e fiéis.

Queridos amigos, se os ideais forem demasiados elevados, o caminho difícil, o terreno talvez também minado e as incompreensões numerosas, todavia tudo podemos n’Aquele que nos conforta (cf. Fl 4, 13). O eclipse da luz de Deus e do seu amor não representam a extinção da sua luz e do seu amor. Já amanhã aquilo que se tinha insinuado, ofuscando a fé e encurralando o mundo numa obscuridade assustadora, poderia dissipar-se, e depois de uma prolongada pausa, do intervalo demasiado longo do eclipse, o sol poderia voltar a brilhar, plena e esplendorosamente. Para além das inquietações e contestações que agitam o mundo, fazendo-se sentir inclusive no seio da Igreja, entram em ação as forças de santidade secretas, escondidas e fecundas. Mais além de rios de palavras e de discursos, de programas e de planos, de iniciativas e de organizações, existem almas santas que rezam, sofrem e expiam, adorando o Deus-conosco. No meio delas encontram-se crianças e adultos, homens e mulheres, jovens e idosos, pessoas doutas e ignorantes, doentes e sadios, encontram-se inclusive numerosos presbíteros, que não são só dispensadores dos mistérios de Cristo, mas na babel contemporânea, permanecem como sinais de referência e de esperança seguros para aqueles que se põem em busca da plenitude, do sentido, da meta e da felicidade.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Papa Francisco fala sobre João XXIII


O Bispo de Bérgamo, Itália, Dom Francesco Beschi, presidiu a celebração eucarística na tarde desta segunda-feira, na Basílica de São Pedro, por ocasião do 50° aniversário da morte do Beato Papa João XXIII. No final da missa, o Papa Francisco encontrou-se na basílica vaticana com os participantes da Peregrinação da Diocese de Bérgamo.
“Exatamente 50 anos atrás, nesta mesma hora, o Beato João XXIII deixava este mundo. Quem, como eu, tem uma certa idade, mantém uma recordação viva da comoção que se espalhou por toda parte naqueles dias. A Praça São Pedro tornou-se um santuário a céu aberto, acolhendo dia e noite os fiéis de todas as idades e condições sociais, apreensivos e em oração pela saúde do Papa”, frisou Francisco.
O pontífice ressaltou que “o mundo inteiro tinha reconhecido no Papa João um pastor e pai. Como ele conseguiu atingir o coração de pessoas tão diferentes, até mesmo de muitos não-cristãos? Para responder a essa pergunta, podemos nos referir ao seu lema episcopal, Oboedientia et pax (obediência e paz). Essas palavras, anotou o Arcebispo Roncalli no Diário da Alma, na véspera de sua ordenação episcopal, são um pouco a minha história e a minha vida”.
O Santo Padre falou então da paz, aspecto que as pessoas viram no Papa João XXIII. “Angelo Roncalli era um homem capaz de transmitir a paz, uma paz natural, serena e cordial. Uma paz que com sua eleição ao pontificado manifestou-se ao mundo inteiro e recebeu o nome da bondade. Esta foi, sem dúvida, uma característica de sua personalidade, que lhe permitiu construir amizades sólidas em todos os lugares e que se destacou de maneira particular em seu ministério como representante do Papa, desempenhado por quase três décadas, muitas vezes em contato com ambientes e mundos distantes do universo católico em que ele nasceu e se formou”, disse Francisco.
“Naqueles ambientes, ele se demonstrou um tecelão eficaz de relações e um válido promotor de unidade, dentro e fora da comunidade eclesial, aberto ao diálogo com os cristãos de outras Igrejas, com expoentes do mundo judeu e muçulmano e com muitos outros homens de boa vontade. Na verdade, o Papa João transmitia paz, porque tinha um coração profundamente pacificado, fruto de um longo e árduo trabalho sobre si mesmo, trabalho que deixou traços abundantes no Diário da Alma.”
“Nele podemos ver o seminarista, o sacerdote, o bispo Roncalli lutando com o caminho de purificação progressiva do coração. Vemo-lo, todos os dias, atento a reconhecer e mortificar os desejos provenientes de seu próprio egoísmo, a discernir a inspiração do Senhor, deixando-se guiar por sábios diretores espirituais e se inspirar por mestres como São Francisco de Sales e São Carlos Borromeo. Lendo seus escritos, vemos realmente tomar forma uma alma sob a ação do Espírito Santo que trabalha em sua Igreja”, frisou ainda o Papa. 
Depois Francisco falou sobre a obediência. “Se a paz foi a característica exterior, a obediência foi para Roncalli a disposição interior. A obediência, na realidade, foi o instrumento para alcançar a paz. Em primeiro lugar, ela teve um sentido muito simples e concreto: desempenhar na Igreja o serviço que os superiores lhe pediam, sem buscar nada para si, sem fugir de tudo o que lhe era pedido, mesmo quando isso significou deixar sua terra, confrontar-se com mundos desconhecidos, permanecer por longos anos em lugares onde a presença de católicos era muito escassa.” 
“Este deixar-se conduzir como uma criança construiu o seu percurso sacerdotal como secretário de Dom Radini Tedeschi, como professor e padre espiritual no seminário diocesano, como representante pontifício na Bulgária, Turquia, Grécia e França, como Pastor da Igreja em Veneza e, enfim, como Bispo de Roma. Através desta obediência, o sacerdote e bispo Roncalli também viveu uma fidelidade mais profunda que podemos definir, abandono à Providência Divina. Ele reconheceu constantemente na fé, que através desse caminho de vida, aparentemente, guiado por outros, não conduzido por seus gostos ou baseado na própria sensibilidade espiritual, Deus estava desenhando um de seus projetos.”
“Ainda mais profundamente, mediante este abandono cotidiano à vontade de Deus, o futuro Papa João viveu uma purificação que lhe permitiu se distanciar completamente de si mesmo e aderir a Cristo, deixando emergir a santidade que a Igreja depois oficialmente reconheceu. ‘Quem perder a sua vida por mim, a salvará’, nos diz Jesus. Esta é a verdadeira fonte da bondade do Papa João, da paz que difundiu no mundo. Aí está a raiz de sua santidade: nesta sua obediência evangélica.”
“Este é um ensinamento para cada um de nós e para a Igreja do nosso tempo: se nos deixarmos conduzir pelo Espírito Santo, se soubermos mortificar o nosso egoísmo para dar espaço ao amor do Senhor e sua vontade, encontraremos a paz, seremos construtores de paz e difundiremos a paz ao nosso redor. Cinquenta anos após sua morte, a sábia e paterna orientação do Papa João XXIII, o seu amor pela tradição da Igreja e consciência da necessidade constante de renovação, a intuição profética da convocação do Concílio Vaticano II e a oferta de sua vida por sua bondade vivida, permanecem como marcos na história da Igreja do século XX e como um farol de luz para o caminho que nos espera”, disse o Papa Francisco.
Enfim, o Santo Padre convidou a Igreja em Bérgamo a ter orgulho do “Papa Bom”, brilhante exemplo de fé. “Mantenha seu espírito, aprofunda o estudo de sua vida e seus escritos, mas sobretudo imite a sua santidade. Do céu, ele continue acompanhando com amor a sua Igreja, que tanto amou na vida, e obtenha para ela, do Senhor, o dom de numerosos e santos sacerdotes, de vocações para a vida religiosa e missionária, bem como também para a vida familiar e o compromisso dos leigos na Igreja e no mundo.”