quinta-feira, 8 de março de 2012

Lectio Divina, Domingo, 11 de março de 2012, 3º Domingo da Quaresma – Ano B


Leituras
Êxodo 20,1-17. Não terá outros deuses além de mim.
Salmo 18/19,8-11. A lei do Senhor Deus é perfeita.
1Coríntios 1,22-25. A fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.
João 2,13-25. Tirai isso daqui.

"NÃO FAÇAIS DA CASA DE MEU PAI UMA CASA DE COMÉRCIO"

1- PONTO DE PARTIDA
Hoje é o domingo da expulsão dos vendilhões do templo. O tema central da celebração deste 3º Domingo da Quaresma é a adoração de Deus. Cristo é o templo da Nova Aliança. Neste terceiro domingo de nossa caminhada, rumo à Páscoa do Senhor, encontramos Jesus em Jerusalém, testemunhando o seu gesto profético da purificação do Templo e o anúncio da ressurreição. Em Jesus Cristo, templo vivo de Deus contemplamos a glória do Pai.
Nosso mundo é regido pelo pensamento único do mercado global. Tudo se submete a ele. As próprias leis, bonitas no papel (como a Declaração dos Direitos Humanos e tantas outras iniciativas), cedem diante desta "lei maior", deste novo "deus" ou diante deste imperativo do dogma do pensamento único do mercado.
O que nos tem a dizer sobre isso a liturgia deste terceiro domingo da Quaresma?
2- REFLEXÃO BÍBLICO, EXEGÉTICA E LITÚRGICA
Contemplando os textos
Primeira leitura - Êxodo 20,1-17. Moisés deu a lei que passou; em Cristo, a Aliança é definitiva. Esta leitura nos relata a promulgação solene dos Dez Mandamentos, que selou a primeira Aliança de Deus com seu povo, logo depois da libertação da escravidão do Egito, no deserto do Sinai. Os três primeiros mandamentos referem-se a Deus; os outros sete, ao próximo. O tema central deles é a "proteção da vida humana", porque no Egito se matava muito, a começar pelas crianças recém-nascidas. O versículo 13 garante o direito à vida. "Não matar" não significa só deixar viver, mas também não deixar morrer. Não criar ou não permitir condições tais que levem o próximo à morte.
A imagem com a qual Javé se revela a Israel é a do libertador do seu Povo da escravidão (cf. versículo 2a). A presença do Senhor reconhece-se por esta sua contínua atividade libertadora. Só nesta perspectiva se podem compreender os Mandamentos, que são todos um convite a respeitar a dignidade de cada pessoa, libertando-o de qualquer forma de idolatria (versículos 3-4) e de escravidão (versículos 8-11).
Os Mandamentos podem ser lidos e interpretados a partir do mandamento do repouso do sábado (versículos 8-11). Este mandamento é exclusivo de Israel, desconhecido das outras culturas, e por isso distintivo do Povo do Senhor. Com este mandamento é reconhecida a grande dignidade do ser humano, criado à imagem e semelhança do seu Criador (cf. Gênesis 1,26).
Desta grande consideração pela dignidade do ser humano derivam depois todos os outros Mandamentos, quer os que dizem respeito ao relacionamento com Deus (cf. versículo 2b-7), que os que se relacionam com o comportamento com as outras pessoas (cf. versículos 12-17). Precisamente porque chamado a ser imagem e semelhança do seu Deus, o ser humano só se degradará ao adorar outras divindades. Chamado a colaborar com o seu Senhor na Criação, a relação que instaurará com as outras pessoas consistirá em ter somente comportamentos que transmitam vida.
O mandamento de não cometer adultério, versículo 14, está ordenada à defesa da vida e da família. Para que o matrimônio possa cumprir sua finalidade, exige-se a fidelidade entre os esposos. A Bíblia leva a sério "o amor, o matrimônio, a vida e a fecundidade". O mandamento dirige-se tanto à mulher, como ao homem.
O mandamento de não furtar, do versículo 15, não visa só os bens do próximo. Trata-se, antes de tudo, da própria pessoa, de sua liberdade. O rapto de pessoas e sua escravização são considerados gravíssimos pecados de furto (Êxodo 21,16; Deuteronômio 24,7). Reter o salário de um operário também é um furto (Deuteronômio 24,15; Lv 19,13).
Muito pelo contrário do que se pensa, o Primeiro Testamento não visa só os atos externos. O 10º mandamento (versículo 17) tem como objeto o desejo, a cobiça das coisas do próximo. Tem em mira a raiz do pecado, o desejo desregrado que nasce no coração do homem (Mateus 15,19). O mandamento aponta essa cobiça como um pecado que se opõe à Aliança.
No Salmo responsorial 18/19,8-11. O Salmo 18/19 mistura dois tipos, e isso levou muita gente a dividi-lo em dois. De fato, dos versículos 2 a 7 temos um hino de louvor, sem nenhuma introdução. Nele o céu e o firmamento, o dia e a noite, em silêncio, cantam os louvores de quem os criou. É portanto, um hino de louvor ao Deus criador. Mas na segunda parte (versículos 8-15) o estilo é sapiencial, apresentando uma reflexão sobre a Lei de Deus, também chamada de "testemunho" (versículo 8b), "preceitos" (versículo 9a), "mandamento" (versículo 9b), "temor" (versículo 10a) e "decisões". São seis palavras para dizer basicamente a mesma coisa. Ao lado de cada uma dessas palavras repete-se sempre o nome "Javé".
Este salmo fala que a lei do Senhor é fonte de energia, luz e conforto, sabedoria para os simples, alegria para o coração e carregada de justiça. Obedecer a lei do Senhor nos livra dos grandes pecados. O "jugo" do Senhor "é suave e o seu peso leve", e quem o acolhe encontra descanso para a sua vida (cf. Mateus 11,29-30). O acolhimento da vontade de Deus não mortifica as pessoas mas torna-as uma pessoa esplêndida: "Os preceitos do Senhor são claros e iluminam os olhos" (versículo 9).
O rosto de Deus no Salmo 18/19 é muito interessante. Duas imagens de Deus são muito fortes neste Salmo: o Deus da Aliança (versículos 8-15), que entrega a Lei a seu Povo, e o Deus Criador, reconhecido como tal e por suas criaturas em todo o mundo (versículos 2-7). Portanto, o rosto de Deus como Aliança, significa "acordo" com o Povo e Criador que ama as suas criaturas.
O Novo Testamento viu em Jesus Cristo o cumprimento perfeito da Nova Aliança, aquele que fez ver de forma perfeita o Pai (João 1,18; 14,9). Sua Lei é o amor (João 13,34). Jesus louva o Pai por ter revelado seu projeto aos pequeninos (Mateus 11,25) e mandou aprender com os lírios do campo e as aves do céu o amor que o Pai tem por nós Mateus (6,25-30).
Agradeçamos ao Senhor pela garantia de liberdade que Ele nos dá através de sua Aliança em Jesus Cristo.
Segunda leitura - 1Cor 1,22-25. No tempo de Paulo, muitos queriam chegar a Deus usando somente a inteligência. Mas a sabedoria de Deus, que atua a reconstituição da Aliança na crucifixão do Filho, não é compreendida como sabedoria, mas é escândalo para aqueles que não são chamados. O apóstolo Paulo lembra à comunidade de Corinto que a vida cristã é escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Mas, para os eleitos das comunidades cristãs, é poder e sabedoria de Deus, que confunde os sábios deste mundo.
"A Lei nos diz que o Messias vai permanecer aqui para sempre. Como podes dizer que é preciso que o Filho do Homem seja levantado?" (cf. João 12,34). Como acreditar num Messias que não sé é morto, mas que morre da morte dos malditos, "como está escrito: Maldito seja todo aquele que for suspenso no madeiro"? (Gálatas 3,13; cf. Deuteronômio 21,23). A morte ignominiosa da cruz era considerada o sinal mais evidente de que Jesus não podia ser o libertador esperado (cf. Lucas 24,21). Ao contrário, Paulo exorta os cristãos a não pensarem segundo a mentalidade das pessoas, mas segundo Deus (cf. Mateus 16,23).
Um Deus crucificado num patíbulo será sempre impossível de acreditar por todos aqueles que, como os judeus, constantemente procuram manifestações do poder de Deus e esperam sinais e prodígios. Um Deus que Se faz servo das pessoas Se tornará incompreensível da parte de todos os que, como os gregos, fazem da própria sabedoria um pedestal para exercer o seu poder sobre as pessoas (cf. versículos 22-23) Mas é na Cruz, onde um homem morre por amor, que se encontra o verdadeiro "poder de Deus" e a verdadeira "sabedoria de Deus" (versículo 24), e Jesus Crucificado é o único sinal do Senhor para toda a Humanidade.
A doutrina anunciada por Paulo, então, apresenta-se como oposta às pretensões dos judeus e gregos. Na contradição da cruz está a grandeza-triunfo de Deus. Sua ação parece fraca e louca, mas nela manifesta-se a grandeza-força e sabedoria de Deus que confunde os fortes e sábios deste mundo (1Coríntios 1,27s). No entanto, os que têm fé, vêem na "fraqueza e loucura" (Gálatas 5,11) do agir divino o sinal de sua misericórdia. O anúncio da cruz, que parecia contradizer a esperança das pessoas, pela luz da fé é visto como vitória (João 12,34). O instrumento de maldição, usado no suplício dos condenados, tornou-se instrumento de salvação. Mais uma vez a sabedoria de Deus trilhou caminhos que não são os da sabedoria dos seres humanos.
Evangelho - Jo 2,13-25). O tema central de hoje é a adoração de Deus. É o que o Primeiro Testamento entende por "temor de Deus". Este termo não aponta um medo infantil diante de um Deus policial, mas todo o sentimento de submissão e receptividade diante do Mistério. Israel não pode "temer" outros deuses (2Reis 17,7.35 etc.). Este temor de Deus se expressa, antes de tudo na Lei do Sinai, cujo resumo são os Dez Mandamentos. Inicia com o mandamento do temor de Deus: só a Deus se deve adorar, pois Ele é um Deus que age: tirou Israel do Egito. Mas o temor de Deus não diz respeito tão-somente à atitude diante de Deus, mas também no relacionamento com o próximo (o co-esraelita, em primeira instância). Pois Deus não estaria bem servido com um povo cujos membros se devorassem mutuamente. Daí o "culto" (adoração de Deus) implicar imediatamente num "etos" (critérios de comportamento).
As leituras dos domingos da Quaresma estão todas centradas no rosto do Pai, na tentativa de eliminar as crenças que ofuscam o seu esplendor. No primeiro domingo o Livro do Gênesis apresenta um Deus desarmado: "Colocarei o meu arco nas nuvens" (Gênesis 9,13), que não castiga o ser humano pelos seus pecados mas que é fiel à sua Aliança com a Humanidade (cf. Gênesis 9,8-15). No segundo domingo a leitura, extraída também do Livro do Gênesis, era centrada sobre um Deus que rejeita os sacrifícios humanos (cf. Gênesis 22,1-2.9a.10-13.15-18). Nesta evolução da purificação, o Evangelho de hoje revela a imagem que Jesus não quer sacrifícios de animais ou coisas. Em todas as religiões as pessoas projetaram freqüentemente sobre a divindade o tipo de relacionamento experimentado com os poderosos da terra. Habituados a ter que oferecer os seus bens melhores aos patrões, pensaram obter de maneira parecida a bondade da divindade oferecendo-lhe o que de melhor tinham na sua vida. Com Jesus, tudo isto acaba. Expulsando os vendedores do Templo de Jerusalém, o Filho de Deus não pretende purificar o lugar santo corrompido pelo comércio, mas impedir um culto que na realidade era só fachada e o pretexto da casta sacerdotal para desfrutar do povo e impor o seu domínio sobre ele.
Jesus anuncia o sacrifício que vai restabelecer a Aliança e a ressurreição que é garantia maior da "nova Aliança". Na sociedade judaica do tempo de Jesus o Templo havia se transformado no centro do poder religioso, político e econômico, onde agia a cúpula governamental (o Sinédrio) e onde se guardavam também imensas riquezas. De lugar de culto ao verdadeiro Deus, o Templo havia se transformado em instrumento de opressão e exploração do povo. A lei de Deus não era mais para defender a vida. Por isso, Jesus é tomado por uma "ira profética": pega um chicote e expulsa os negociantes que estavam transformando o templo de Deus num mercado. Contudo, Jesus não pensa em uma restauração do Templo de Jerusalém como casa de oração, "mas na sua substituição". Para João, o sentido deste trecho lido neste terceiro domingo é anunciar Jesus como o Novo Templo, lugar da revelação e adoração do Pai, isto é, a pessoa de Jesus Cristo é o lugar onde se encontra Deus.
A Aliança entre Deus e o seu Povo era descrita pelos profetas com a metáfora esponsal. Mas nesse matrimônio entre Deus e Israel já não há amor. Eis a razão porque nas Bodas de Caná na Galiléia mudou a água em vinho, símbolo do amor dos esposos (cf. Cântico dos Cânticos 2,6), que veio a faltar. A nova relação com deus agora já não se baseia nos esforços das pessoas (figurados nas "talhas" que continham a água para a purificação: cf. João 2,6), mas no acolhimento do seu amor gratuito.
Portanto, uma vez entrando no Templo de Jerusalém, Jesus expulsa a todos dali, incluindo os animais destinados aos sacrifícios. O Pai não requer nenhum tipo de oferenda ou de sacrifício (cf. Mateus 8,13), mas é Ele que oferece tudo a todos (cf. Atos 17,25). Embora expulsando os vendedores de bois e de ovelhas, Cristo dirige a sua censura unicamente aos vendedores de pombas (cf. versículo 16), animal símbolo do Espírito, o amor do Pai que não pode ser vendido, mas apenas oferecido.
Aqui está também a importância da antiga Aliança. A síntese das leituras bíblicas deste domingo pode formular-se deste modo: "o novo templo espiritual" constrói-se sobre Cristo, morto e ressuscitado (evangelho e segunda leitura), e fundamenta a "nova Aliança" e a "nova religião em espírito e verdade", que veio substituir a antiga Aliança, explanada na Lei de Moisés.
É importante ver a passagem da purificação do templo como auto-manifestação do mistério salvador de Cristo. Ele significa a importância da "antiga Aliança" e o fim do culto que encarnava no templo de Jerusalém. Cristo dá lugar a uma Aliança e Culto novos em espírito e verdade.
Trata-se da "Aliança e do culto novo" que Jesus prega na linha dos profetas do Antigo Testamento e frente á degeneração do culto do templo de Jerusalém que se tinha tornado ritualista, vazio e hipócrita, além de ser, já, desnecessário. Por isso o véu do templo rasga-se quando Jesus morre.
Os primeiros cristãos não tiveram templos, nem catedrais, nem basílicas, durante vários séculos. Estavam conscientes, tal como deveríamos estar nós, de que assembléia (= ekklesía, em grego) é a autêntica Igreja de Deus, o santuário espiritual, prolongamento do corpo de Cristo que é o "templo da nova Aliança". Até mesmo cada cristão, cada batizado no Espírito de Jesus, é templo de Deus.
Jesus Cristo é o nosso modelo. Ele é o grande sacerdote e a vítima da nova Aliança e do culto que culmina na fórmula Cristológica e Trinitária que encerra a oração eucarística: Por Cristo, com Cristo e em Cristo, a vós, Deus Pai todo poderoso...
O que significa para nós hoje esse gesto de Jesus usando o chicote? As práticas religiosas que usamos em nossos templos estão de acordo com o Evangelho?

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